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Reportagem: Lisa Gabriela*

Pela raiz: mulheres contam suas histórias de transição e empoderamento

No dia da Consciência Negra, alagoanas falam sobre assumir os cachos e os crespos
Se você é uma mulher, ou uma mulher negra, ou uma mulher com cabelo crespo ou cacheado, talvez já tenha escutado a expressão “transição capilar”. Se você não se inclui em nenhum desses grupos ou se simplesmente desconhece o termo, talvez essa seja uma boa oportunidade para se inteirar sobre o tema, que, apesar de em alta, ainda traz à tona uma série de questionamentos estéticos e políticos sobre a aparência e os padrões de beleza sociais.
 
O processo de transição capilar acontece quando uma pessoa decide parar de realizar procedimentos químicos em seus cabelos e opta por assumir seus fios naturais, que geralmente são crespos ou cacheados. A prática vem se tornando cada vez mais comum, bem como os produtos mercadológicos direcionados à esse público emergente.
Porém, passar pela transição não é fácil. A maioria das pessoas precisa reaprender a se olhar no espelho; conviver com duas texturas capilares e se adaptar às possíveis críticas.  O fato é que adotar a despadronização estética como parte do cotidiano requer coragem e autoestima. Pensando nisso, o CadaMinuto conversou com mulheres que decidiram passar pelo processo e assumiram seus cabelos naturais. De acordo com  a maioria delas, a busca pela própria identidade é um fator decisivo  na hora de mudar a aparência. 

"Mesmo com o cabelo alisado eu não era aceita e achava que se eu parasse de alisar iria sofrer mais. Minha decisão de passar pela transição foi um processo íntimo"

"Isso acabou sendo um pontapé para as mulheres da minha casa. Depois de mim, minha mãe e irmã também entraram no processo de transição. Só tenho coisas boas para falar" 

A estudante Hortência Costa, que alisava o cabelo desde criança e decidiu passar pela transição em 2014,  contou que mesmo com o cabelo "liso" sofria bullyng e preconceito racial durante a infância. Segundo ela, não deixar o crespo à mostra era ficar em uma zona de conforto com relação a essa rejeição. 
"Eu pensava que se eu já sofria preconceito antes, como seria depois de assumir o cabelo natural? Era uma zona de conforto. Eu diria que sofri mais quando era criança do que quando passei pela transição. Mesmo com o cabelo alisado eu não era aceita, e eu achava que se eu parasse de alisar iria sofrer mais" 
Hoje, quatro anos após o corte, ela relata que sua autoestima é outra, e que começou a mudar no dia em que ela foi no salão para remover a química. 
"Não me arrependo de forma alguma, hoje sou uma pessoa melhor e que se aceita. Me senti bem desde o primeiro dia, descobri meu cabelo e novas coisas sobre ele" disse.
Segundo Hortência, ela não sente nenhum tipo de arrependimento ou sentimento de inferioridade com relação as outras pessoas. Ela explica ainda que o fato de ter passado pela transição impulsionou as outras mulheres da sua casa a fazer o mesmo. 

 

Vitória Alves, 21 anos

"Quando a representatividade começou a ter mais força eu passei a  não me reconhecer mais com o cabelo alisado. Não era eu"

A estudante Vitória Alves conta que ficou dez meses em transição antes de optar pelo corte total, que tirou toda a química do seu cabelo e o deixou bastante curto para os padrões associados à figura feminina. Segundo ela, antes do corte o preconceito já existia, principalmente por parte de um dos lados da sua família. 
 
"O lado da família da minha mãe foi bem preconceituoso, e isso começou já no processo da transição. Quando eu falei sobre a decisão todos bateram o pé, falaram que ia ficar feio e que não ia cachear. Eu tentei explicar que era uma questão de genética... mas sem sucesso. As críticas continuaram, e se estenderam até depois do corte".
Para Vitória, um momento marcante foi uma festa de casamento em que todos pediram para que ela chapeasse o cabelo, alegando que o cabelo cacheado era desarrumado para esse tipo de ocasião.
"Esse dia foi pesado, mas eu bati o pé e não fui. Fiz um penteado e ficou maravilhoso, eu era praticamente a única cacheada. Fora as coisas de sempre, né? Escuto que cabelo cacheado é ruim, que ele é seco... as pessoas só entendem o liso" desabafou ela.
Vitoria comentou ainda que passou a se desconhecer com o cabelo alisado quando a representatividade ganhou força no país. "Quando a representatividade começou é ter mais força eu comecei a não me reconhecer mais com o cabelo alisado. Não era eu no espelho" explicou.
 
Sobre a autoestima, a estudante relata que passar pela transição mudou além do cabelo: "houve uma mudança interna também. Agora me sinto eu de verdade" disse.
 

"Eu me desprendi da ideia de que só o cabelo liso estava bom e nos conformes. Passei a me perguntar:arrumado para quem? Alinhado para quem? Conforme para quem?"

 

Mariana Ivo, 20 anos

Mariana Ivo, de 20 anos, relatou que passou um ano sem fazer química antes do corte, e que nesse período continuava usando o secador e a chapinha para melhorar a autoestima e a aceitação dos cachos. Ela contou também que adiou ao máximo o corte, e que precisou se reafirmar várias vezes durante o processo.
 
"Eu passei um ano sem fazer química, mas mantive a chapinha e escova para ele crescer e ficar em um tamanho bom para cortar. Isso mexe muito com a autoestima e com aceitação, então, tentei ver um jeito que pudesse passar por isso sem ficar mal e acabei adiando ao máximo o corte. Eu precisei reafirmar se isso era realmente o que eu queria, sabe? então depois de dois cortes para ir tirando a parte lisa finalmente retirei tudo e ele ficou bem curtinho e bem cacheadinho"
 
Ivo também falou sobre a adaptação pós-corte, e sobre o sentimento de exposição que sentiu. "Ficou muito curto, me senti muito exposta a princípio e continuei achando que não era meu cabelo. Até as semanas passarem e ele meio que se ajeitar e desgrudar, ficando mais eu. Hoje não me vejo de outra forma. Algumas pessoas na rua às vezes me olham diferente, como se eu tivesse desarrumada. Isso fere um pouco, mas faz parte" relatou.
 
Segundo ela, a decisão veio quando ela começou a se questionar sobre quem era e por que alisava o cabelo. 
 
"Eu faço química desde 12. Sempre quis o cabelo liso, era meio que sonho mesmo. Ficava babando os cabelos alheios... por que aquilo estava arrumado, estava alinhado, estava conforme. E eu me desprendi disso, passei a me perguntar: arrumado para quem ? Alinhado para quem? Conforme quem? E me perguntar também se aquilo era o que eu era, Eu sei que é só um cabelo mas para mim  foi uma questão de personalidade" finalizou ela.
 

"Eu ficava preocupada se eu ia me acostumar, por que eu não tinha aceitado o meu cabelo ainda. O cabelo de fato, que é bem crespo."

 

Cynthia Kássia, 26 anos

Cynthia, de 26 anos, ainda não finalizou o processo de transição e decidiu colocar um mega hair cacheado para facilitar o período de duas texturas capilares. 
Ela conta que agora se sente poderosa e, de fato, uma mulher negra. "Eu achei que o processo de adaptação seria difícil, mas minha autoestima melhorou muito. Fico me sentindo A negra poderosa, todos elogiaram. Hoje, eu me sinto negra. E isso foi maravilhoso" disse ela.
"Eu fazia química no meu cabelo desde os cinco anos de idade, e estava bem cansada dessa vida de salão de beleza de dois em dois meses. Então eu comecei a perceber que as pessoas estavam começando a assumir os cachos. Eu ficava muito preocupada se eu ia me acostumar, por que eu não tinha aceitado o meu cabelo ainda. O cabelo de fato, que é bem crespo. Mas foi até fácil" explanou.
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